A dor de uma perda
Não gostaria de começar escrevendo um texto triste para nosso novo blog, mas a circunstancias me obrigam, os sentimentos também. Foi com lágrimas nos olhos que ouvi a notícia da morte da esposa, filha e genro do ícone do samba baiano, Riachão, em um acidente automobilístico, no Rio de Janeiro.
Engraçado, dia desses estava voltando para casa e encontrei com o “baixinho”, daquele mesmo jeito, no ponto de ônibus, certamente esperando a condução para o Garcia. Uma toalhinha pendurada no pescoço, mochila nas costas e o velho sorriso no rosto, marcado pelo tempo. Aquele homem me pareceu tão feliz, em paz consigo e com as coisas da vida, assim como eu, estava voltando para casa. Entre um aceno e outro, a noite protegia o “negro gato”.
Certamente uma casa cheia, humilde, mas lotada de carinho, amor e inspiração. Como imaginar um homem de 86 anos, forte, lúcido e consciente, porém sem uma parte de si, sem uma parte de sua família? “Eles se foram, mas eu estou bem, estou com Deus”, disse o mestre, segurando a alça do caixão da esposa.
Dalvinha (apelido carinhoso dado por ele), sempre foi uma inspiração e presença constante nos sambas do mestre. Um dia distante da amada já era o suficiente para entristecer Titino (apelido carinhoso dado por ela), e assim se passaram 40 anos de convivência, entre as plantas no fundo da casa, os sambas cantarolados nos finais de tarde ou nos papos na frente de casa. E agora, como fica Riachão sem sua Dalvinha?
Não, não tenho nenhum tipo de contato com Riachão, não o conheço pessoalmente, muito menos conhecia sua esposa ou sua filha. Conheço sim a obra, os sambas e um pouco da história de Clementino Rodrigues, nome de batismo do sambista. E o que importa se o conheço ou não? Acho mesmo é que está faltando um pouco de solidariedade nas pessoas, escrevo essas linhas para ser solidário, leiam ou não.
Assim como o cigarro ou a bebida, as pessoas também viciam, causam dependência... Calculem a perda de uma mulher, filha e genro, calculem perder boa parte de sua família de uma só vez, calculem um “baque” desses num homem octogenário.
Agora Riachão voltará para casa, uma casa mais vazia, com ecos de saudade, com a mesma saudade encalacrada no peito, pronta para ser descrita num samba. Triste para quem se foi e para quem ficou, a vida continua aprontando das suas...
Cantou na hora do último adeus, um choro incontrolável, carregado de soluços não combinaria com alguém tão elegante, ele não chorou. Despediu-se cantando e ainda conseguiu agradecer aos presentes... Admirável Riachão, mereceu aplausos até num momento triste!
É, o certo é que Seu Clementino nunca mais cantará aquele samba da mesma maneira: “Ela quer me ver bem mal, vá morar com o diabo que é imortal”. A Bahia ficou mais triste por Riachão! “Lembro de minha Dalvinha, a gente vivia a cantar”, lamentou. Lamentamos!
O “negro gato” continuará, entre um telhado e outro, miando, cantando. Afinal, gato tem sete vidas, a partir de agora, vidas mais tristes, é bem verdade, mas sete vidas!
Discografia
Samba da Bahia (Phillips-1973) com Batatinha e Panela
Sonho de Malandro (Tapecar-1981)
Riachão (Caravelas-2001)
Saiba mais sobre Riachão em: www.samba-choro.com.br/artistas/riachao
4 comentários:
Eu li a manchete dessa tragédia...
Mas como de tudo temos que extrair algo bom, pelo menos tenho aprendido isso nesses últimos tempos, só resta aguardar um samba novo feito pelo mestre. Dizem que a tristeza e a alegria são grandes inspiradoras. E sim, concordo com você Matheus, as pessoas também viciam! Lindo texto. Um beijo
É a emoção que engrandesse um bom texto. E dessa vez não poderia ser diferente.
Belíssimo.
Beijo, caro.
Poucas pessoas teriam a sensibilidade que vocÊ teve ao escrever esse texto. Suas palavras mostram a quem não conhece tudo o que esse mestre representa pra Bahia e, particularmente, pra vocÊ.
Continue nesse caminho, que são de textos ricos e emcionantes assim, que nós, leitores, merecemos!
Grande Beijo!
As dores já foram sentidas! Agora cadê essa rotina de outros textos? ou outro texto de rotina? rs beijo
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